terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Irã

Passo a passo, o Irã caminha para onde sempre quis chegar: a fabricação da bomba atômica. Já avançou no material necessário,o enriquecimento de urânio a 20% em suas centrífugas. E pode fazer mais do que isso, jactou-se Ahmadinejads

Duda Teixeira


Atta Kenare/APW
BOMBA, BOMBA, BOMBAAhmadinejad aponta o caminho acelerado do desastre: "Somos uma potência nuclear"

Mentir, mentir sempre. E, nos arroubos de entusiasmo, abandonar momentaneamente o fingimento e deixar entrever as verdadeiras intenções. Assim tem se comportado o regime iraniano em relação ao programa nuclear que, ostensivamente, é para a produção de energia, mas em todos os aspectos práticos caminha para a fabricação de uma bomba atômica. As consequências para o mundo inteiro têm um potencial calamitoso. Israel, que por motivos óbvios considera a bomba iraniana uma ameaça vital, pode desfechar um ataque preventivo, de alcance arrepiante para o mundo todo, em especial nessa fase de sensibilíssima economia pós-crise. Ou o Irã continua fazendo mais do mesmo: enfrenta novas sanções, desafia os organismos internacionais e alcança, por fim, a bomba, o que lhe garante uma espécie de tenebrosa imunidade. Até lá, o regime dos aiatolás continuará fingindo que negocia, aceitando inspeção parcial da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e, na sua visão, talvez cruelmente correta, fazendo de bobos os países que propõem saídas honrosas como o processamento no exterior do urânio, o minério que move usinas ou produz bombas, dependendo do grau de manipulação (veja o quadro). Na semana passada, em clima de exaltação nacional, o Irã anunciou que começou a enriquecer urânio a 20% no complexo nuclear de Natanz. "O Irã já é uma potência nuclear", jactou-se o presidente Mahmoud Ahmadinejad diante das habituais massas de manobra. "Podemos enriquecer o urânio a 20% ou 80%, mas não chegamos a isso porque não precisamos."

Fora o tom de blefe que permeia os discursos de Ahmadinejad e a confusão de porcentagens – entre o enriquecimento a 20% e o processo a 90%, necessário para a bomba, existe um intervalo tecnológico de dois a três anos –, a chantagem fica mais do que explícita. É como se dissesse: se quisermos, poderemos fazer. E como querem. Em setembro do ano passado, fotos de satélite revelaram que o Irã construiu secretamente uma central nuclear subterrânea que poderia comportar 3 000 centrífugas para enriquecer urânio. O complexo, perto da cidade de Qom, segue o mesmo padrão de Natanz, onde as máquinas estão a 23 metros de profundidade, cobertas por um escudo de concreto. É um formigueiro atômico, no meio das montanhas, feito para resistir a ataques aéreos como os que, segundo as previsões mais sombrias, Israel inevitavelmente des-fechará. Existem bombas que alcançam os bunkers mais protegidos, mas o processo demanda bombardeios prolongados – e, mais complicado ainda, os aviões só atingiriam o Irã através do espaço aéreo de Líbano, Síria, Iraque, Arábia Saudita ou Turquia; em suma, uma infindável encrenca. O Irã afirma que vai produzir entre 3 e 5 quilos de urânio por mês para fins de pesquisa médica e geração de eletricidade. "Não há uso civil para tudo isso. O país tem apenas um reator funcionando adequadamente, o de Bushehr, que consome 10 quilos de urânio russo ao longo de um ano inteiro", disse a VEJA a especialista americana Jacqueline Shire, analista do Instituto para a Ciência e a Segurança Internacional, em Washington.

A possibilidade de que novas sanções funcionem é pouca, mas, diante da falta de opções, Estados Unidos e Europa prepararam um novo programa punitivo no âmbito do Conselho de Segurança da ONU. A Rússia insinuou que apoiaria. A China, não. O Brasil, atual integrante do Conselho como membro rotatório, deve seguir, vergonhosamente, os chineses. A diplomacia lulista tem se desdobrado em manifestações de apoio ao regime iraniano, movida pelos equívocos de sempre – antiamericanismo, discurso nacionalista (distorcido, claro, pois contraria os interesses fundamentais do Brasil) e uma relação carnal que ultrapassa amplamente o necessário para manter laços diplomáticos corretos com um país complicado. Um leão para defender, em vão, as mais terríveis punições à Honduras do interregno pós-zelaysta (encerrado pelo voto), o chanceler Celso Amorim virou um gatinho persa ante a proposta de sanções internacionalmente aceitas contra o Irã da bomba atômica clandestina. "Há sempre pedidos de medidas mais e mais severas", admoestou. "Não vemos realmente que seja o caso." E qual seria a opção? "Não adianta nada fazer uma proposta e ficar parado esperando que o outro lado faça exatamente aquilo que foi proposto." Ou seja, a culpa é de quem propõe saídas para o caso iraniano. Se paira alguma dúvida sobre os "culpados", esclareça-se: o presidente Barack Obama, que nobremente ofereceu a mão estendida ao Irã (e levou um tapa na cara), e os principais países europeus, que articularam a proposta do enriquecimento do urânio iraniano na França e na Rússia, como garantia de seu uso pacífico. Como o Irã quer é fazer a bomba, a oferta foi empurrada com a barriga, com o apoio explícito do chanceler Amorim. "Uma coisa é pagar mico em Honduras, que não traz grandes consequências", diz o embaixador Rubens Barbosa. "Outra coisa é, no caso do Irã, dar vexame perante o mundo." Em retribuição à gentil visita de Ahmadinejad no ano passado, o presidente Lula tem viagem marcada para Teerã em maio. Será uma apoteose. E depois, vem o quê? O apocalipse?

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