sexta-feira, 8 de janeiro de 2010


Difícil de controlar
Quanto mais Ahmadinejad reprime, mais o povo iraniano se sente estimulado a derrubar o governo
Juliano Machado
Os iranianos têm o costume de fazer homenagens a seus mortos no terceiro, sétimo e 40o dia após o falecimento. Desde junho, quando o presidente Mahmoud Ahmadinejad foi reeleito numa votação repleta de fraudes, a maior parte dessas cerimônias deixou de ser apenas religiosa para se tornar o principal meio de mobilização do povo contra o regime. Essa transformação ficou nítida no domingo 27, sete dias após o funeral do aiatolá Hussein Ali Montazeri (morto por causas naturais), crítico do regime.

Milhares de pessoas saíram às ruas em oito cidades do país, e as forças de segurança do governo reagiram com brutalidade. Segundo informações oficiais, oito manifestantes morreram e cerca de 300 foram detidos – para os sites ligados à oposição, porém, o número de mortos chegou a pelo menos 15. Entre eles, Ali Mousavi, de 43 anos, sobrinho do principal candidato oposicionista, Mir Hossein Mousavi. A causa de sua morte não foi divulgada, mas pessoas que estavam perto dele durante os protestos em Teerã afirmam que um policial o teria atingido com uma bala no peito. Temeroso de que o funeral de Mousavi pudesse gerar mais um levante, oficiais foram ao hospital onde se fazia a autópsia e levaram o corpo a um local desconhecido, para fazer um enterro discreto. Por outro lado, dez líderes da oposição foram detidos dias depois, incluindo três assessores diretos de Hossein Mousavi.

Em sua primeira declaração pública após as manifestações, Ahmadinejad tentou recorrer mais uma vez ao discurso do inimigo externo. Afirmou que a insatisfação popular é “um teatro dirigido pelos sionistas e americanos”. Segundo o presidente, “a nação iraniana já testemunhou esse tipo de manipulação muitas vezes”. Se fossem mesmo orquestrados por Washington ou outra força estrangeira, os protestos da última semana demonstrariam um poder de influência sobre os iranianos que os americanos ou outra potência ocidental até gostariam de ter, mas certamente não têm. Aí está o que Ahmadinejad tenta esconder como o corpo de um manifestante, sem sucesso: o coro das ruas é resultado da ruína interna do regime, sustentado por uma teocracia contestada por vários clérigos e incapaz de trazer melhorias ao padrão de vida da população. O sentimento entre os iranianos de que Ahmadinejad
ultrapassou os limites da repressão foi reforçado pelo fato de que as recentes mortes e prisões ocorreram em meio às festividades da Ashura. Trata-se da data que relembra o sacrifício de Hussein, neto do profeta Maomé, morto numa batalha no ano de 680, na Mesopotâmia (atual Iraque). Pela lei islâmica, é proibido qualquer tipo de violência durante a Ashura.

Em artigo para o The Wall Street Journal, o iraniano Abbas Milani, diretor do Centro de Estudos para o Irã da Universidade Stanford, nos EUA, afirma que o movimento antirregime “ainda precisa de um plano coerente e de uma liderança mais estruturada”, mas reconhece que o clamor por democracia “veio para ficar”. Ahmadinejad está diante de um dilema: quanto mais elimina opositores, mais aparecem outros para lembrar os que se foram.

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