quarta-feira, 20 de janeiro de 2010


Joaquim Nabuco: herói nacional, para sempre
9 de janeiro de 2010



Num domingo, dia 13, a princesa Isabel desceu a serra. Vinha de Petrópolis e ia para um lugar de honra na história. Com os olhinhos azuis iguais aos do pai, contemplou a multidão tomada de enorme comoção que estava na frente do palácio imperial, no centro do Rio. Usava um vestido de seda marfim, enfeitado com rendas francesas, e assinou com mão firme as palavras de explosiva simplicidade escritas no documento à sua frente: "É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil".

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Para quem olha o passado com displicência retroativa, a história termina aí: transformações econômicas e políticas empurraram um regime falido a aceitar a libertação da massa vilmente explorada, com a participação de um ou outro representante da elite esclarecida. Mas afastemos um pouquinho a cortina alegórica que cerca o 13 de maio de 1888. Assinada a lei, Isabel voltou-se para o homem alto e elegante que estava a seu lado naquele momento emocionante. "Estamos reconciliados?", perguntou. Como perfeito cavalheiro que era, Joaquim Nabuco acedeu e beijou a mão da princesa. Depois assomou à janela, para saborear o momento de glória e a adulação da massa. Aquele dia era dele, mais do que de qualquer um.

Não existe a mínima prova histórica, ainda mais no caso de uma princesa carola e apaixonada pelo marido, mas não é impossível imaginar pelo menos uma pontinha de flerte na pergunta de Isabel. As mulheres não resistiam a Nabuco. Aliás, os homens também não. No campo das ideias e da camaradagem viril, evidentemente. Joaquim Nabuco, que ressurge das brumas históricas ainda que fugazmente, em virtude do centenário de sua morte, neste dia 17, foi um personagem tão monumental que tudo em torno de sua extraordinária vida parece ser exagerado. Desvendada, a névoa do mito se revela, no entanto, tecida de verdade.

Candidato a maior estadista da história nacional, embora no papel nunca tenha sido mais do que um simples deputado, Nabuco tem um título incontestável: foi o mais importante, o mais eloquente e o mais popular dos abolicionistas. Protagonizou o movimento pelo abolicionismo e, ao mesmo tempo, refletiu sobre a história que se desenrolava à sua volta, captando com a força de um intelecto preciso como laser a importância orgânica da escravidão na sociedade brasileira. No processo, como definiu o grande historiador Evaldo Cabral de Mello, escreveu "a mais brilhante análise do papel desempenhado pela escravidão na formação social e política do Brasil".

À luz da história no que tem de mais estéril - a entediante versão mil vezes repetida do 13 de maio e seus antecedentes -, é difícil reproduzir a força avassaladora que o movimento contra a escravidão despertou em todo o país. O que o Brasil teve de pior - o comércio, a servidão, a exploração e a indizível violência mil vezes cometida contra seres humanos - gerou o que o Brasil de melhor conseguiu oferecer, sob a forma da luta abolicionista. Foi uma história de homens tomados de paixão por uma causa justa e, entre eles, nenhum mais apaixonado do que o jovem pernambucano de família ilustre, pai, avô e bisavô senadores do Império, com muito berço e quase nenhum dinheiro, que se tornou o que de mais parecido poderia existir no século XIX com uma celebridade ao estilo contemporâneo, aclamado, paparicado e adorado.

Nabuco pensava como um gigante histórico, polemizava como um estivador e jogava para a plateia como um ídolo pop. Travada, em grande parte, no centro da vida intelectual da época - os teatros -, a campanha abolicionista forneceu o palco ideal a um Nabuco simultaneamente confiante, arrojado, pedante, metido. Ou, na definição da cientista social Angela Alonso, autora da ótima biografia Joaquim Nabuco (Companhia das Letras), um "enamorado de si mesmo", impelido ao fulcro do cenário nacional tanto pelo imperativo moral quanto pelo desejo de aplausos e aprovação - que artista não se identificaria com ele?

Entre os muitos palcos, nenhum foi mais consagrador do que o do Teatro de Santa Isabel, no Recife natal, onde as mulheres faziam fila nos camarotes especiais, suspiravam, lançavam pétalas de rosas e lencinhos com seu rosto pintado. No ápice da campanha e da popularidade, também se tornou marca de cigarros (Nabuquistas e Príncipes da Liberdade), de cerveja (Salvator Bier) e até de um modelo de chapéu (O Abolicionista, com um retrato dele). Pois, ainda por cima, o herói da causa era bonito. "Branco alvíssimo", numa descrição da época, media 1,86 metro e tinha olhos de mormaço, como a Capitu que ainda haveria de nascer da cabeça de seu amigo Machado de Assis.

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